06 julho 2011



      O relógio apontava 6:43 da manhã quando Martha entrou no quarto.
      - Acorda moleque, você tem que ir pra escola - disse ela apressada.
      - Tá frio, mãe.
      - Com o tanto de blusas que você tem, daria pra você explorar a Rússia toda. Agora levanta.
      - O frio vem de dentro - disse ele.
      - Nos primeiros meses é sempre mais duro, mas vai passar. Tempestades vêm e vão, acredite, filho.
      E ele se levantou e foi em direção ao banheiro. Lavou o rosto, penteou os cabelos de qualquer jeito, escovou os dentes e desceu.
      - Toma, vai comendo.
      Foi caminhando lentamente em direção ao colégio. Tinha o costume de ir todos os dias por um caminho diferente. Seu pai lhe ensinara a primeira lição de como não ser um prisioneiro da rotina.
      Ao dobrar a esquina, já havia acabado seu sanduíche e tirou do bolso uma caixa de Camels maltratada. Acendeu um e seguiu. Como de costume, fechou os olhos após a primeira tragada e pôde sentir o relaxamento instantâneo proporcionado pelo primeiro cigarro do dia.
      Era um rapaz diferente e sabia disso. Talvez por suas roupas e seus gostos musicais, ou sua incessante vontade de descobrir o real sentido da vida ao invés de viver junto de toda aquela futilidade adolescente. Não tinha muitos amigos, Thoreau acompanhava-o onde quer que fosse. Ao chegar no colégio evitou a multidão, ainda não se sentia preparado pra aquilo. Sentia que os olhos o vigiavam. E era provável que o fizessem, afinal, muitos o culpavam.
      Naquele dia, algo curioso aconteceu. Quando estava ali sentado sobre as mãos, esperando o bater do sinal, viu uma garota andando depressa com a cabeça inclinada pra baixo. Ela tinha passos firmes, e que eram firmes até demais pro sapato roxo de boneca que usava. Trajava também meias pretas e vestido com tons de lilás e botões pretos. A única cor quente que munia era a de seus cabelos.
      Após a aula, no caminho da volta, a viu sentada em baixo de uma árvore próxima à calçada com um livro na mão. Ao chegar mais perto, reconheceu a capa a abordou:
      - Nunca pergunte por quem os sinos dobram, ele dobram por ti - Disse ele.
      - Olha, e não é que algum caipira dessa cidade conhece Hemingway?
E sorriu.
      - John Donne.
      - Como?
      - Isso é John Donne, não Hemingway.
      - Claro que não, eu tenho o livro bem aqui - disse ela com cara de espanto.
    - O poema de John Donne inspirou Hemingway a escrever o romance, pesquise qualquer hora.
      - É claro que farei.
      - A propósito, sabe o que significa a expressão?
      - Na verdade, não. Apesar de estar adorando o livro.
      - Ele diz que todos os homens são parte de um único continente e não apenas uma ilha. E quando alguém morre, também morre um pouco de você. Por isso nunca pergunte por quem batem os sinos da morte, eles também batem por ti.
      - Uau, lindo e forte.
      - Obrigado. Disse ele com um sorriso falso.
      - Eu não estava falando de você, idiota.
      - Eu sei, estou brincando.
      - Muito engraçadinho você. E metido.
      - Desculpe. Como se chama?
      - Digamos que você pode me chamar de Cecília, e você?
      - Prazer, Pedro.

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